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FORUM MACUA

Local destinado a discutir tudo o que se relacione com Moçambique, em particular, e os PALOP, em geral. Solicita-se o uso de uma linguagem acessível a todos em geral. Mensagens com termos ou temas inadequados serão apagadas.

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Documento Histórico - 1890 - "compra de terras"


Isto foi no Malawi, mas não foi diferente no Zimbabwe/Rodésia do Sul.




http://www.greatepicbooks.com/epics/august97.html




Está em inglês, o que é que não está em inglês na internet. Não tenho culpa, aliás o meu país faz parte da Commonwealth.




Os fazendeiros depois, não se esqueçam de pedir a roupa e os sapatos que deram em troca das terras ao Mugabe. Devem valer um dinheirão em qualquer leilão londrino, hoje.




Eu a primeira vez que li isto, pensei que era ficção. Custou-me a acreditar.

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Replying to:

Diário de Notícias - Edição de 24 de Agosto de 2002




Documento Histórico


Entrevistas DN




Portugal influenciou Senghor






Fernando Pires


entrevistou Léopold Senghor a 3 de Dezembro de 1976






O Presidente Léopold Senghor do Senegal, que participou, em Genebra, no XIII Congresso da Internacional Socialista, de que o seu país é o primeiro membro africano, acedeu, com muita satisfação, a conceder uma entrevista ao Diário de Notícias. E sublinhou esse gesto abandonando, para o efeito, a sala de conferências e confessando, desde logo, que se sentia muito português.




Fizemos alusão a um poema de Senghor sobre a voz de Amália Rodrigues e perguntámos se reconhecia a influência cultural portuguesa na sua obra literária. Ao que o Presidente Senghor, sorrindo, sensibilizado, comentou: "A influência cultural portuguesa na minha obra é muito profunda. Os meus antepassados vieram da Guiné-Bissau e eu tenho um nome de origem portuguesa - Senghor. Há cerca de 70 mil pessoas de origem portuguesa no Senegal. Não só tenho um nome português como me sinto muito português e muito mediterrânico."




O Presidente do Senegal sentou-se num amplo sofá, no salão privado anexo à sala de conferências. Convidou-nos para o seu lado. "Que deseja saber?". Formulámos, então as nossas perguntas.




- Senhor Presidente: é a primeira vez que um chefe político africano participa numa reunião da Internacional Socialista. Que tipo de identidade existe entre o nacionalista africano e os partidos socialistas e sociais-democratas nela representados?




- Quero dizer, antes de mais, que foi há cerca de 45 anos, em 1930, quando estudava em Paris, que ingressei no movimento da Juventude Socialista. Contudo, tínhamos lançado, entretanto, com a colaboração de outros camaradas, o Movimento da Negritude, que não estava em contradição com o nosso ingresso na Juventude Socialista. De que se tratava realmente? Tratava-se, para nós, de criar uma nova civilização negro-africana em todos os domínios. Prioritariamente no plano cultural, sem dúvida, mas não esquecendo o campo político e económico. No domínio cultural, para nós, o problema era, e é ainda, o de nos enraizarmos nos valores próprios das civilizações do mundo negro, a que chamamos a Negritude, e simultaneamente de nos abrirmos a valores estrangeiros. Porque todas as civilizações importantes são civilizações de mestiçagem cultural, e as civilizações mediterrânicas constituem o melhor testemunho disso. O meu professor de Antropologia, no Instituto de Etnologia de Paris, dizia que foi à imagem da atitude mediterrânica criada ao encontro de negros, brancos e amarelos que se criaram as grandes civilizações, desde a civilização egípcia até à civilização árabe, à civilização indiana - de mestiçagem biológica e cultural -, civilização chinesa, dos Maias, dos Astecas, etc.




No que se refere à política adoptámos a ideologia do socialismo democrático, fazendo uma releitura negro-africana-senegalesa dos fundadores do socialismo científico, Marx e Engels. Recordo um texto fundamental de Marx, de que apenas tive conhecimento em 1948, mas já me identificava com a substância do mesmo. Reporto-me ao número de Março de 48 da Revue Socialiste editada em Paris, que publicara um texto inédito de Marx, intitulado Le Travail Aliené. Neste texto inédito, Marx afirma que a primeira atitude dinâmica do homem foi a de trabalhar no sentido da satisfação das suas necessidades vitais de comer, vestir-se e encontrar habitação. Marx chama, seguidamente, a atenção para o facto de que só depois da satisfação das necessidades animais é que o homem pode dedicar-se à sua actividade de criar obras de arte, obras de beleza. A ideologia do socialismo democrático é que pode, portanto, não só resolver os nossos problemas culturais e políticos, mas ainda os nossos problemas económicos. E é um facto que esta ideologia se assemelha às bases essenciais da civilização negro-africana, e esta é uma civilização democrática. Todos os grupos socioprofissionais, todas as camadas sociais participavam no poder, portanto, é uma civilização democrática e ao mesmo tempo comunitária. É a ideia de comunidade que se encontra na base da civilização negro-africana. Este é, pois o nosso ponto de partida. Assim se explica como o militante socialista se une ao militante da Negritude.




- Que papel poderá desempenhar a Internacional Socialista na correcção dos desequilíbrios e desigualdades existentes entre os países desenvolvidos e os do Terceiro Mundo?




- Julgo que só o socialismo pode resolver essas desigualdades. E, para tal, terá de se basear em princípios de racionalidade e de justiça social que se encontram no socialismo e em Marx. Com efeito, o marxismo baseia-se no método dialéctico, que é um método científico que explica o universo e apresenta soluções eficazes para os problemas do mundo moderno. E a justiça social em Marx teve sempre uma preocupação de ordem ética. Uma preocupação ética de permitir ao homem um desenvolvimento integral de corpo e espírito, e Marx assinalou o bem material e o bem espiritual lado a lado.




- O Senegal ainda não reconheceu a República Popular de Angola. A admissão de Angola na ONU, após a mudança de atitude dos Estados Unidos, irá determinar uma revisão da política senegalesa quanto a este país de expressão portuguesa?




- Como sabe, desempenhámos determinado papel na descolonização dos territórios portugueses. O processo foi abordado quano me avistei com o general Spínola, em território senegalês, no cabo Skerin, e lhe disse achar que ele devia favorecer um diálogo entre o Governo português e os movimentos de libertação nacional. Depois da revolução portuguesa, enviei duas mensagens: uma ao general Spínola pedindo-lhe que enviasse alguém a Paris, e outra ao meu amigo Mário Soares. E foi assim que, dois dias depois, me avistei com o representante do general Spínola e de Mário Soares. Foi nessa altura que combinámos um encontro em Dacar, entre Mário Soares e os representantes dos movimentos de libertação. Por meu lado já tinha, naturalmente, contactado com todos os movimentos de libertação das colónias portuguesas, entre os quais os do Movimento Popular de Libertação de Angola. Tinha-lhes dado dois conselhos: primeiro, de formarem uma frente comum para negociarem com os representantes do Governo português e, por outro lado, visto que todos se reclamavam do socialismo, de constituirem um partido unificado, como tínhamos feito no Senegal com a União Progressista Senegalesa, que representava a unificação de quatro partidos de esquerda. Estes três movimentos de libertação de Angola seguiram os meus conselhos para negociações com Portugal, tendo a UNITA como conselheiro um senegalês, mas, depois da independência de Angola, iniciaram uma guerra civil. Embora mantivéssemos relações estreitas com a UNITA, não reconhecemos o Governo da UNITA-FNLA, como não reconhecemos o MPLA. E sabe bem que no encontro da OUA, realizado no princípio do ano, defendi a tese chamada "moderada". Referia-se ao artigo 3 do estatuto da OUA, que proclamava, por um lado o princípio da democracia e, por outro, o do não alinhamento. E éramos de opinião que os Estados estrangeiros não deviam intervir no conflito angolano, que era necessário constituir um Governo de união nacional e que este Governo preparia as eleições. Recusamos reconhecer o Governo de Neto, por provir de um golpe de força emanado do estrangeiro e não da vontade popular. E, além disso, não reconhecemos regimes, mas sim Estados.




Grandes entrevistas DN, in "Palavras no Tempo - Vol.I"




Julgo haver um qualquer equívoco.


Meu Caro Mzonga,




Julgo haver um qualquer equívoco na sua colocação.




Jorge

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Isto foi no Malawi, mas não foi diferente no Zimbabwe/Rodésia do Sul.




http://www.greatepicbooks.com/epics/august97.html




Está em inglês, o que é que não está em inglês na internet. Não tenho culpa, aliás o meu país faz parte da Commonwealth.




Os fazendeiros depois, não se esqueçam de pedir a roupa e os sapatos que deram em troca das terras ao Mugabe. Devem valer um dinheirão em qualquer leilão londrino, hoje.




Eu a primeira vez que li isto, pensei que era ficção. Custou-me a acreditar.

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Diário de Notícias - Edição de 24 de Agosto de 2002




Documento Histórico


Entrevistas DN




Portugal influenciou Senghor






Fernando Pires


entrevistou Léopold Senghor a 3 de Dezembro de 1976






O Presidente Léopold Senghor do Senegal, que participou, em Genebra, no XIII Congresso da Internacional Socialista, de que o seu país é o primeiro membro africano, acedeu, com muita satisfação, a conceder uma entrevista ao Diário de Notícias. E sublinhou esse gesto abandonando, para o efeito, a sala de conferências e confessando, desde logo, que se sentia muito português.




Fizemos alusão a um poema de Senghor sobre a voz de Amália Rodrigues e perguntámos se reconhecia a influência cultural portuguesa na sua obra literária. Ao que o Presidente Senghor, sorrindo, sensibilizado, comentou: "A influência cultural portuguesa na minha obra é muito profunda. Os meus antepassados vieram da Guiné-Bissau e eu tenho um nome de origem portuguesa - Senghor. Há cerca de 70 mil pessoas de origem portuguesa no Senegal. Não só tenho um nome português como me sinto muito português e muito mediterrânico."




O Presidente do Senegal sentou-se num amplo sofá, no salão privado anexo à sala de conferências. Convidou-nos para o seu lado. "Que deseja saber?". Formulámos, então as nossas perguntas.




- Senhor Presidente: é a primeira vez que um chefe político africano participa numa reunião da Internacional Socialista. Que tipo de identidade existe entre o nacionalista africano e os partidos socialistas e sociais-democratas nela representados?




- Quero dizer, antes de mais, que foi há cerca de 45 anos, em 1930, quando estudava em Paris, que ingressei no movimento da Juventude Socialista. Contudo, tínhamos lançado, entretanto, com a colaboração de outros camaradas, o Movimento da Negritude, que não estava em contradição com o nosso ingresso na Juventude Socialista. De que se tratava realmente? Tratava-se, para nós, de criar uma nova civilização negro-africana em todos os domínios. Prioritariamente no plano cultural, sem dúvida, mas não esquecendo o campo político e económico. No domínio cultural, para nós, o problema era, e é ainda, o de nos enraizarmos nos valores próprios das civilizações do mundo negro, a que chamamos a Negritude, e simultaneamente de nos abrirmos a valores estrangeiros. Porque todas as civilizações importantes são civilizações de mestiçagem cultural, e as civilizações mediterrânicas constituem o melhor testemunho disso. O meu professor de Antropologia, no Instituto de Etnologia de Paris, dizia que foi à imagem da atitude mediterrânica criada ao encontro de negros, brancos e amarelos que se criaram as grandes civilizações, desde a civilização egípcia até à civilização árabe, à civilização indiana - de mestiçagem biológica e cultural -, civilização chinesa, dos Maias, dos Astecas, etc.




No que se refere à política adoptámos a ideologia do socialismo democrático, fazendo uma releitura negro-africana-senegalesa dos fundadores do socialismo científico, Marx e Engels. Recordo um texto fundamental de Marx, de que apenas tive conhecimento em 1948, mas já me identificava com a substância do mesmo. Reporto-me ao número de Março de 48 da Revue Socialiste editada em Paris, que publicara um texto inédito de Marx, intitulado Le Travail Aliené. Neste texto inédito, Marx afirma que a primeira atitude dinâmica do homem foi a de trabalhar no sentido da satisfação das suas necessidades vitais de comer, vestir-se e encontrar habitação. Marx chama, seguidamente, a atenção para o facto de que só depois da satisfação das necessidades animais é que o homem pode dedicar-se à sua actividade de criar obras de arte, obras de beleza. A ideologia do socialismo democrático é que pode, portanto, não só resolver os nossos problemas culturais e políticos, mas ainda os nossos problemas económicos. E é um facto que esta ideologia se assemelha às bases essenciais da civilização negro-africana, e esta é uma civilização democrática. Todos os grupos socioprofissionais, todas as camadas sociais participavam no poder, portanto, é uma civilização democrática e ao mesmo tempo comunitária. É a ideia de comunidade que se encontra na base da civilização negro-africana. Este é, pois o nosso ponto de partida. Assim se explica como o militante socialista se une ao militante da Negritude.




- Que papel poderá desempenhar a Internacional Socialista na correcção dos desequilíbrios e desigualdades existentes entre os países desenvolvidos e os do Terceiro Mundo?




- Julgo que só o socialismo pode resolver essas desigualdades. E, para tal, terá de se basear em princípios de racionalidade e de justiça social que se encontram no socialismo e em Marx. Com efeito, o marxismo baseia-se no método dialéctico, que é um método científico que explica o universo e apresenta soluções eficazes para os problemas do mundo moderno. E a justiça social em Marx teve sempre uma preocupação de ordem ética. Uma preocupação ética de permitir ao homem um desenvolvimento integral de corpo e espírito, e Marx assinalou o bem material e o bem espiritual lado a lado.




- O Senegal ainda não reconheceu a República Popular de Angola. A admissão de Angola na ONU, após a mudança de atitude dos Estados Unidos, irá determinar uma revisão da política senegalesa quanto a este país de expressão portuguesa?




- Como sabe, desempenhámos determinado papel na descolonização dos territórios portugueses. O processo foi abordado quano me avistei com o general Spínola, em território senegalês, no cabo Skerin, e lhe disse achar que ele devia favorecer um diálogo entre o Governo português e os movimentos de libertação nacional. Depois da revolução portuguesa, enviei duas mensagens: uma ao general Spínola pedindo-lhe que enviasse alguém a Paris, e outra ao meu amigo Mário Soares. E foi assim que, dois dias depois, me avistei com o representante do general Spínola e de Mário Soares. Foi nessa altura que combinámos um encontro em Dacar, entre Mário Soares e os representantes dos movimentos de libertação. Por meu lado já tinha, naturalmente, contactado com todos os movimentos de libertação das colónias portuguesas, entre os quais os do Movimento Popular de Libertação de Angola. Tinha-lhes dado dois conselhos: primeiro, de formarem uma frente comum para negociarem com os representantes do Governo português e, por outro lado, visto que todos se reclamavam do socialismo, de constituirem um partido unificado, como tínhamos feito no Senegal com a União Progressista Senegalesa, que representava a unificação de quatro partidos de esquerda. Estes três movimentos de libertação de Angola seguiram os meus conselhos para negociações com Portugal, tendo a UNITA como conselheiro um senegalês, mas, depois da independência de Angola, iniciaram uma guerra civil. Embora mantivéssemos relações estreitas com a UNITA, não reconhecemos o Governo da UNITA-FNLA, como não reconhecemos o MPLA. E sabe bem que no encontro da OUA, realizado no princípio do ano, defendi a tese chamada "moderada". Referia-se ao artigo 3 do estatuto da OUA, que proclamava, por um lado o princípio da democracia e, por outro, o do não alinhamento. E éramos de opinião que os Estados estrangeiros não deviam intervir no conflito angolano, que era necessário constituir um Governo de união nacional e que este Governo preparia as eleições. Recusamos reconhecer o Governo de Neto, por provir de um golpe de força emanado do estrangeiro e não da vontade popular. E, além disso, não reconhecemos regimes, mas sim Estados.




Grandes entrevistas DN, in "Palavras no Tempo - Vol.I"




Country Portugal

Re: Julgo haver um qualquer equívoco.


Peço imensa desculpa, não quero desviar a atenção do assunto que da sua mensagem. É que tive à procura deste e outros documentos para a discussão da terra e poder no Zimbabué, e quando li o seu título, aproveitei-o.




Senghor é nome português? Sem o "g"? Desconhecia, Lagos, capital da Nigéria, é português. Aquele guarda-redes do Senegal, Tony Sylva, também deve ser um nome português.

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Meu Caro Mzonga,




Julgo haver um qualquer equívoco na sua colocação.




Jorge

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Isto foi no Malawi, mas não foi diferente no Zimbabwe/Rodésia do Sul.




http://www.greatepicbooks.com/epics/august97.html




Está em inglês, o que é que não está em inglês na internet. Não tenho culpa, aliás o meu país faz parte da Commonwealth.




Os fazendeiros depois, não se esqueçam de pedir a roupa e os sapatos que deram em troca das terras ao Mugabe. Devem valer um dinheirão em qualquer leilão londrino, hoje.




Eu a primeira vez que li isto, pensei que era ficção. Custou-me a acreditar.

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Diário de Notícias - Edição de 24 de Agosto de 2002




Documento Histórico


Entrevistas DN




Portugal influenciou Senghor






Fernando Pires


entrevistou Léopold Senghor a 3 de Dezembro de 1976






O Presidente Léopold Senghor do Senegal, que participou, em Genebra, no XIII Congresso da Internacional Socialista, de que o seu país é o primeiro membro africano, acedeu, com muita satisfação, a conceder uma entrevista ao Diário de Notícias. E sublinhou esse gesto abandonando, para o efeito, a sala de conferências e confessando, desde logo, que se sentia muito português.




Fizemos alusão a um poema de Senghor sobre a voz de Amália Rodrigues e perguntámos se reconhecia a influência cultural portuguesa na sua obra literária. Ao que o Presidente Senghor, sorrindo, sensibilizado, comentou: "A influência cultural portuguesa na minha obra é muito profunda. Os meus antepassados vieram da Guiné-Bissau e eu tenho um nome de origem portuguesa - Senghor. Há cerca de 70 mil pessoas de origem portuguesa no Senegal. Não só tenho um nome português como me sinto muito português e muito mediterrânico."




O Presidente do Senegal sentou-se num amplo sofá, no salão privado anexo à sala de conferências. Convidou-nos para o seu lado. "Que deseja saber?". Formulámos, então as nossas perguntas.




- Senhor Presidente: é a primeira vez que um chefe político africano participa numa reunião da Internacional Socialista. Que tipo de identidade existe entre o nacionalista africano e os partidos socialistas e sociais-democratas nela representados?




- Quero dizer, antes de mais, que foi há cerca de 45 anos, em 1930, quando estudava em Paris, que ingressei no movimento da Juventude Socialista. Contudo, tínhamos lançado, entretanto, com a colaboração de outros camaradas, o Movimento da Negritude, que não estava em contradição com o nosso ingresso na Juventude Socialista. De que se tratava realmente? Tratava-se, para nós, de criar uma nova civilização negro-africana em todos os domínios. Prioritariamente no plano cultural, sem dúvida, mas não esquecendo o campo político e económico. No domínio cultural, para nós, o problema era, e é ainda, o de nos enraizarmos nos valores próprios das civilizações do mundo negro, a que chamamos a Negritude, e simultaneamente de nos abrirmos a valores estrangeiros. Porque todas as civilizações importantes são civilizações de mestiçagem cultural, e as civilizações mediterrânicas constituem o melhor testemunho disso. O meu professor de Antropologia, no Instituto de Etnologia de Paris, dizia que foi à imagem da atitude mediterrânica criada ao encontro de negros, brancos e amarelos que se criaram as grandes civilizações, desde a civilização egípcia até à civilização árabe, à civilização indiana - de mestiçagem biológica e cultural -, civilização chinesa, dos Maias, dos Astecas, etc.




No que se refere à política adoptámos a ideologia do socialismo democrático, fazendo uma releitura negro-africana-senegalesa dos fundadores do socialismo científico, Marx e Engels. Recordo um texto fundamental de Marx, de que apenas tive conhecimento em 1948, mas já me identificava com a substância do mesmo. Reporto-me ao número de Março de 48 da Revue Socialiste editada em Paris, que publicara um texto inédito de Marx, intitulado Le Travail Aliené. Neste texto inédito, Marx afirma que a primeira atitude dinâmica do homem foi a de trabalhar no sentido da satisfação das suas necessidades vitais de comer, vestir-se e encontrar habitação. Marx chama, seguidamente, a atenção para o facto de que só depois da satisfação das necessidades animais é que o homem pode dedicar-se à sua actividade de criar obras de arte, obras de beleza. A ideologia do socialismo democrático é que pode, portanto, não só resolver os nossos problemas culturais e políticos, mas ainda os nossos problemas económicos. E é um facto que esta ideologia se assemelha às bases essenciais da civilização negro-africana, e esta é uma civilização democrática. Todos os grupos socioprofissionais, todas as camadas sociais participavam no poder, portanto, é uma civilização democrática e ao mesmo tempo comunitária. É a ideia de comunidade que se encontra na base da civilização negro-africana. Este é, pois o nosso ponto de partida. Assim se explica como o militante socialista se une ao militante da Negritude.




- Que papel poderá desempenhar a Internacional Socialista na correcção dos desequilíbrios e desigualdades existentes entre os países desenvolvidos e os do Terceiro Mundo?




- Julgo que só o socialismo pode resolver essas desigualdades. E, para tal, terá de se basear em princípios de racionalidade e de justiça social que se encontram no socialismo e em Marx. Com efeito, o marxismo baseia-se no método dialéctico, que é um método científico que explica o universo e apresenta soluções eficazes para os problemas do mundo moderno. E a justiça social em Marx teve sempre uma preocupação de ordem ética. Uma preocupação ética de permitir ao homem um desenvolvimento integral de corpo e espírito, e Marx assinalou o bem material e o bem espiritual lado a lado.




- O Senegal ainda não reconheceu a República Popular de Angola. A admissão de Angola na ONU, após a mudança de atitude dos Estados Unidos, irá determinar uma revisão da política senegalesa quanto a este país de expressão portuguesa?




- Como sabe, desempenhámos determinado papel na descolonização dos territórios portugueses. O processo foi abordado quano me avistei com o general Spínola, em território senegalês, no cabo Skerin, e lhe disse achar que ele devia favorecer um diálogo entre o Governo português e os movimentos de libertação nacional. Depois da revolução portuguesa, enviei duas mensagens: uma ao general Spínola pedindo-lhe que enviasse alguém a Paris, e outra ao meu amigo Mário Soares. E foi assim que, dois dias depois, me avistei com o representante do general Spínola e de Mário Soares. Foi nessa altura que combinámos um encontro em Dacar, entre Mário Soares e os representantes dos movimentos de libertação. Por meu lado já tinha, naturalmente, contactado com todos os movimentos de libertação das colónias portuguesas, entre os quais os do Movimento Popular de Libertação de Angola. Tinha-lhes dado dois conselhos: primeiro, de formarem uma frente comum para negociarem com os representantes do Governo português e, por outro lado, visto que todos se reclamavam do socialismo, de constituirem um partido unificado, como tínhamos feito no Senegal com a União Progressista Senegalesa, que representava a unificação de quatro partidos de esquerda. Estes três movimentos de libertação de Angola seguiram os meus conselhos para negociações com Portugal, tendo a UNITA como conselheiro um senegalês, mas, depois da independência de Angola, iniciaram uma guerra civil. Embora mantivéssemos relações estreitas com a UNITA, não reconhecemos o Governo da UNITA-FNLA, como não reconhecemos o MPLA. E sabe bem que no encontro da OUA, realizado no princípio do ano, defendi a tese chamada "moderada". Referia-se ao artigo 3 do estatuto da OUA, que proclamava, por um lado o princípio da democracia e, por outro, o do não alinhamento. E éramos de opinião que os Estados estrangeiros não deviam intervir no conflito angolano, que era necessário constituir um Governo de união nacional e que este Governo preparia as eleições. Recusamos reconhecer o Governo de Neto, por provir de um golpe de força emanado do estrangeiro e não da vontade popular. E, além disso, não reconhecemos regimes, mas sim Estados.




Grandes entrevistas DN, in "Palavras no Tempo - Vol.I"




''Reparação'' - Herança Lusíada


Herança Lusíada


Pierre Moussa






Em homenagem aos nossos amigos portugueses, queria consagrar o essencial desta Introdução à evocação do papel histórico de Portugal como factor de união entre a Europa e o Sul, como promotor da abertura da Europa e do Sul, ontem como amanhã. Este papel de ligação e de abertura remonta à época árabe, quer dizer, há mais de 12 séculos a esta parte.




Na verdade, a penetração árabe, embora não desejada, foi suportada por Portugal, tal como o foi pela Espanha e, em menor grau, por diversas províncias francesas e italianas. Parece-me, todavia, que Portugal assimilou de forma particularmente bem o legado de cinco séculos de ocupação árabe, tendo absorvido a cultura do ocupante, hoje elemento importante da sua própria cultura. Fiquei, aliás, impressionado com as diversas placas que encontramos aqui e além no bairro de Alfama em Lisboa. Numa, por exemplo, encontra-se escrito em três línguas a seguinte e bela inscrição: "Alfama, dos árabes herdou o nome, o traçado das ruas e algumas memórias". De igual modo, a Torre de Belém, um dos grandes monumentos de Lisboa (construção tipicamente portuguesa e uma das obras-primas do estilo Manuelino) posterior à expulsão dos árabes, está recheada de reminiscências do mundo árabe (o seu arquitecto quase de certeza que deve ter vivido e trabalhado em Marraqueche; os torreões recordam os de Koutoubia naquela cidade norte-africana. De modo idêntico, o octógono do Mosteiro da Batalha recorda-nos as estalactites muçulmanas.




Mas o papel de Portugal como traço de união entre a Europa e o Sul é muito mais brilhante se, saltando alguns séculos após o domínio árabe, nos reportarmos aos primórdios do Renascimento.




O grande movimento da Renascença que toda a Europa conheceu comporta inúmeros aspectos. De entre estes, um dos mais marcantes é a abertura ao mundo exterior, quer dizer, aos continentes na actualidade designados por "continentes do Sul". E quem iniciou e conduziu este impulso da Europa para o Sul, senão os portugueses?




Primeiramente, em direcção ao Sul no mais restrito sentido geográfico do termo, isto é, África. Mas também, em direcção a outras regiões de civilização não europeia, para Leste e Oeste, portanto, para a Asia e para a América.




Mas antes de mais nada, a África. No século XV, Portugal privilegiou voluntariamente a abertura africana, algumas vezes em detrimento da abertura sul-americana. Se Portugal recusou as propostas apresentadas por Cristovão Colombo, foi acima de tudo porque apostava sobretudo em África. Portugal foi assim o primeiro a apostar na Costa africana.




Foram os portugueses quem primeiro, (1434) ousaram ultrapassar o Cabo Bojador (actualmente pertencente a Marrocos), local onde, antes dessa proeza, se pensava que os marinheiros eram devorados e precipitados no Inferno.




Foram eles que em 1444 fundaram na Nigéria a primeira companhia colonial dos tempos modernos, numa cidade a que deram o nome de Lagos, cidade do Algarve na zona meridional do país, (facto que os estrangeiros desconhecem), e que era à época o porto que servia de base às empresas marítimas portuguesas.




Foram eles os primeiros que, em 1488, dobraram o Cabo das Tormentas, rebaptizado doravante Cabo da Boa esperança.




Foram eles os primeiros que, em 1498, subindo a costa oriental africana, desembarcaram em Moçambique.




Por conseguinte, Portugal não só tomou a dianteira sobre os restantes países europeus, como teve uma presença mais substancial e profunda que os outros europeus. Ainda na segunda metade do século XIX, os batedores portugueses precediam com frequência os exploradores europeus (por exemplo, quando Levingstone "descobriu" o Zambeze, Silva Porto já aí se encontrava acampado).




Em Mboma (Congo-Kinshasa), no tempo de Stanley (por volta de 1877), as feitorias comerciais aí existentes pertenciam a diversos nacionalidades (portuguesa, holandesa, inglesa, francesa), mas os gerentes e o pessoal europeu eram na sua maioria portugueses.




Nos anos que precederam a I Guerra Mundial (de 1908 a 1913), a população belga do Congo-Kinshasa multiplicou-se por 2,1 enquanto a população de origem portuguesa sofreu um acréscimo de 3,7.




Em vésperas da independência do Congo-Kinshasa, um religioso belga sublinhava o carácter específico da posição portuguesa em África, nomeadamente que o português do mato estava sempre ao corrente dos rumores antes de qualquer outro europeu. Tal devia-se ao facto dos pequenos comerciantes, artesãos, hoteleiros e garagistas, pequenos empresários portugueses do mato, viverem em geral próximo dos africanos e, portanto, em simbiose com eles (muitas vezes com mulheres africanas e com crianças nascidas destas uniões, aliás, melhor aceites na comunidade portuguesa que em qualquer outra parte).




A nação portuguesa desempenhou, portanto, um papel decisivo, não somente nos actuais países lusófonos, mas na maior parte dos restantes Estados africanos. Já evoquei anteriormente a Nigéria (e já vimos aqui qual a razão porque a maior cidade de África tem um nome português)... e o Congo-Kinshasa. Importa não esquecer ainda que nos séculos XVII e XVIII, os portugueses desempenharam um papel importante na cidade do Cabo, ao lado dos holandeses. Em Gondar na Etiopia, os castelos ainda visíveis hoje em dia reflectem a influência aí exercida por Portugal nos séculos XVI e XVII.




Demorei-me tanto sobre o papel pioneiro dos portugueses em África que tenho agora de ser breve em relação aos outros continentes!




A aventura asiática de Portugal foi um prolongamento da abertura africana. Depois do oceano Atlântico, o oceano Índico e após a Costa Índica de África, o mundo indiano, o Tibet, a China, Ceilão e a Insulíndia.




Quando no século XVI, os europeus reaveram dos árabes e dos turcos o comércio com o mundo indiano, os europeus que o conseguiram foram os portugueses.




Durante todo o século XVI, a língua portuguesa foi praticamente a única falada nas margens do oceano Índico servindo, de facto, de "língua franca". Esta observação pode, aliás, ainda ser alargada em termos geográficos: exagerando o necessário, podemos dizer que do Extremo Oriente à América Latina, holandeses, franceses e ingleses, tiveram frequentemente de falar português para se fazerem entender com os autóctones.




Esta realidade serve-nos de transição: após o Leste, evoquemos o Oeste, depois da Ásia, a América.




papel principal de Portugal na América, foi certamente a construção do Brasil, o país mais importante da América depois dos Estados Unidos, o qual permanece de tal forma próximo de Portugal que nenhuma outra antiga colónia do mundo com a sua metrópole o igualou nesse aspecto.




E, não obstante, o papel desempenhado pelos portugueses na América superou o quadro das fronteiras brasileiras.




No século XV a expedição luso-norueguesa (aliança da Europa do Norte e do Sul)! atingiu a Groenlândia e, talvez mesmo antes de Cristovão Colombo, a América.




Colombo, casado com uma portuguesa, viveu 10 anos em Lisboa preparando a sua expedição para o Oeste.




Magalhães (ou Magellan como a ele se referem franceses e ingleses)! — o primeiro que contornou a América, o descobridor do Pacífico, o homem da primeira volta ao mundo —era português.






De tudo o que foi dito, sobressai o papel determinante de Portugal na expansão europeia de há 500 anos, sendo este estatuto ainda mais notável se verificarmos tratar-se de um país de pequena dimensão (geográfica e demográfica) que tinha, havia pouco tempo, acabado de impôr a sua independência face a árabes e castelhanos. De facto, é notável verificar que todos os estratos da população participaram na expansão ultramarina; o ultramar invadiu todos; mesmo as gramáticas forneciam exemplos com base na experiência ultramarina (os problemas aritméticos falavam de pimenta, de chá e açucar)!... Portugal estava, portanto, "ultramarinizado".




O fluxo de população para outros continentes eram então considerável; em termos absolutos, mas ainda mais em termos relativos, do qual resultou um decréscimo demográfico na população metropolitana: estima-se que a população residente tenha passado de dois para um milhão de pessoas entre 1521 e 1555 devido às saídas para o ultramar, (ainda hoje, não somente existem mais lusófonos fora da Europa que no Velho Continente, como também vivem mais pessoas de ascendência portuguesa fora de Portugal que em Portugal).




Um outro aspecto a reter desta expansão portuguesa: a História das grandes conquistas é muitas vezes a narração do desempenho de aventureiros, de corsários, de soldados. Mas neste caso, não é apenas isso. Claro que a força, a tenacidade, a coragem física desempenharam um grande papel. Mas também a inteligência e a criatividade.




Os portugueses jamais poderiam Ter liderado esta expansão senão tivessem sido capazes de resolver os grandes problemas que se colocavam na descoberta do ultramar:






a navegação astronómica, (primeiramente a orientação pela Estrela Polar, e depois de atingido o Equador, pelo Sol); e em seguida, aperfeiçoando o astrolábio e o quadrante;






a criação de um tipo de embarcação revolucionária, adaptada à navegação no alto-mar e às suas fortes vagas: a Caravela;






estudo sistemático do regime dos ventos e das correntes oceânicas;




Este papel desempenhado pela inteligência na expansão mundial de Portugal e da Europa é simbolizado pela recordação da "Escola de Sagres", Escola assente sobre o promontório de Sagres onde o Infante D. Henrique, cosmógrafos, cartógrafos e navegadores, preparavam o futuro.




À época, as invenções dos portugueses não foram somente materiais. No domínio económico-jurídico, inventaram a Feitora e a Donataria, e como já disse atrás, criaram a primeira companhia colonial.




Com a inteligência, a imaginação foi mobilizada. O maior poeta da literatura portuguesa, Camões, estava ao lado de Vasco da Gama aquando da sua grande aventura marítima e ultramarina e foi esta epopeia que descreveu em "Os Lusíadas". Portugal é nas palavras de Luís Vaz de Camões, o local "onde a terra acaba e o mar começa".




De todos os clássicos da literatura europeia, "Os Lusíadas" é o único cujo sujeito é a fascinação pelo "Sul" e pela epopeia ultramarina.




Nas artes plásticas, na mesma época, o estilo manuelino deriva, se quisermos, do resplandecente, mas de um resplandecente submerso pelo mar derramando recordações náuticas árabes, indianas, budistas e americanas.




Evoquei o passado, a vocação de Portugal, no seio da família europeia, no sentido de ser um pressuposto para a compreensão do Sul, de ser a figura de proa da Europa face ao Sul.




Mas não se trata somente do passado. O passado é o suporte do futuro. Porque se este pequeno povo, situado no extremo ocidental da Europa, soube ontem mostrar à Europa os caminhos e os méritos da abertura ao mundo, é legítimo pensar que Portugal terá uma missão comparável a desempenhar no futuro.




Portugal é membro da União Europeia, está perfeitamente integrado na Europa e faz parte da aristocracia dos onze do Euro. Mas, ao mesmo tempo, permanece, sem dúvida, o povo europeu mais próximo do Sul. É por isso que nós, os restantes Europeus, dizemos a Portugal: "temos necessidade de vós, esperamos que Portugal adopte hoje uma participação mais activa, nomeadamente, na construção das relações euro-africanas. Pedimos aos nossos amigos portugueses que não pensem apenas nos países da África Lusófona (tão importantes e prometedores que eles sejam), mas que reflictam sobre toda a África.




O mundo moderno começou, há seis séculos, com o alargamento da economia e da cultura à dimensão do Universo inteiro, um alargamento para o qual o povo português foi iniciador e exemplo.




O mundo do século XXI, o mundo da Europa unida, o mundo do Euro, com a formidável capacidade que tem de absorver as contribuições culturais de diferentes origens, com a sua admirável "plasticidade" (parafraseando Gilberto Freyre), nomeadamente, em termos de imaginação e construção, em conjunto, as novas relações da Europa (e de África), novas relações às quais estão fortemente ligadas a ELO, por um lado, e o "Forum Africa-Europa", por outro.




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Sou eu e o Senghor, dois mediterrânicos com nome português... no nosso caso duplamente mediterrânicos já que África é que é o meio da terra, está bem no centro do "hemisfério continental".

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Replying to:

Diário de Notícias - Edição de 24 de Agosto de 2002




Documento Histórico


Entrevistas DN




Portugal influenciou Senghor






Fernando Pires


entrevistou Léopold Senghor a 3 de Dezembro de 1976






O Presidente Léopold Senghor do Senegal, que participou, em Genebra, no XIII Congresso da Internacional Socialista, de que o seu país é o primeiro membro africano, acedeu, com muita satisfação, a conceder uma entrevista ao Diário de Notícias. E sublinhou esse gesto abandonando, para o efeito, a sala de conferências e confessando, desde logo, que se sentia muito português.




Fizemos alusão a um poema de Senghor sobre a voz de Amália Rodrigues e perguntámos se reconhecia a influência cultural portuguesa na sua obra literária. Ao que o Presidente Senghor, sorrindo, sensibilizado, comentou: "A influência cultural portuguesa na minha obra é muito profunda. Os meus antepassados vieram da Guiné-Bissau e eu tenho um nome de origem portuguesa - Senghor. Há cerca de 70 mil pessoas de origem portuguesa no Senegal. Não só tenho um nome português como me sinto muito português e muito mediterrânico."




O Presidente do Senegal sentou-se num amplo sofá, no salão privado anexo à sala de conferências. Convidou-nos para o seu lado. "Que deseja saber?". Formulámos, então as nossas perguntas.




- Senhor Presidente: é a primeira vez que um chefe político africano participa numa reunião da Internacional Socialista. Que tipo de identidade existe entre o nacionalista africano e os partidos socialistas e sociais-democratas nela representados?




- Quero dizer, antes de mais, que foi há cerca de 45 anos, em 1930, quando estudava em Paris, que ingressei no movimento da Juventude Socialista. Contudo, tínhamos lançado, entretanto, com a colaboração de outros camaradas, o Movimento da Negritude, que não estava em contradição com o nosso ingresso na Juventude Socialista. De que se tratava realmente? Tratava-se, para nós, de criar uma nova civilização negro-africana em todos os domínios. Prioritariamente no plano cultural, sem dúvida, mas não esquecendo o campo político e económico. No domínio cultural, para nós, o problema era, e é ainda, o de nos enraizarmos nos valores próprios das civilizações do mundo negro, a que chamamos a Negritude, e simultaneamente de nos abrirmos a valores estrangeiros. Porque todas as civilizações importantes são civilizações de mestiçagem cultural, e as civilizações mediterrânicas constituem o melhor testemunho disso. O meu professor de Antropologia, no Instituto de Etnologia de Paris, dizia que foi à imagem da atitude mediterrânica criada ao encontro de negros, brancos e amarelos que se criaram as grandes civilizações, desde a civilização egípcia até à civilização árabe, à civilização indiana - de mestiçagem biológica e cultural -, civilização chinesa, dos Maias, dos Astecas, etc.




No que se refere à política adoptámos a ideologia do socialismo democrático, fazendo uma releitura negro-africana-senegalesa dos fundadores do socialismo científico, Marx e Engels. Recordo um texto fundamental de Marx, de que apenas tive conhecimento em 1948, mas já me identificava com a substância do mesmo. Reporto-me ao número de Março de 48 da Revue Socialiste editada em Paris, que publicara um texto inédito de Marx, intitulado Le Travail Aliené. Neste texto inédito, Marx afirma que a primeira atitude dinâmica do homem foi a de trabalhar no sentido da satisfação das suas necessidades vitais de comer, vestir-se e encontrar habitação. Marx chama, seguidamente, a atenção para o facto de que só depois da satisfação das necessidades animais é que o homem pode dedicar-se à sua actividade de criar obras de arte, obras de beleza. A ideologia do socialismo democrático é que pode, portanto, não só resolver os nossos problemas culturais e políticos, mas ainda os nossos problemas económicos. E é um facto que esta ideologia se assemelha às bases essenciais da civilização negro-africana, e esta é uma civilização democrática. Todos os grupos socioprofissionais, todas as camadas sociais participavam no poder, portanto, é uma civilização democrática e ao mesmo tempo comunitária. É a ideia de comunidade que se encontra na base da civilização negro-africana. Este é, pois o nosso ponto de partida. Assim se explica como o militante socialista se une ao militante da Negritude.




- Que papel poderá desempenhar a Internacional Socialista na correcção dos desequilíbrios e desigualdades existentes entre os países desenvolvidos e os do Terceiro Mundo?




- Julgo que só o socialismo pode resolver essas desigualdades. E, para tal, terá de se basear em princípios de racionalidade e de justiça social que se encontram no socialismo e em Marx. Com efeito, o marxismo baseia-se no método dialéctico, que é um método científico que explica o universo e apresenta soluções eficazes para os problemas do mundo moderno. E a justiça social em Marx teve sempre uma preocupação de ordem ética. Uma preocupação ética de permitir ao homem um desenvolvimento integral de corpo e espírito, e Marx assinalou o bem material e o bem espiritual lado a lado.




- O Senegal ainda não reconheceu a República Popular de Angola. A admissão de Angola na ONU, após a mudança de atitude dos Estados Unidos, irá determinar uma revisão da política senegalesa quanto a este país de expressão portuguesa?




- Como sabe, desempenhámos determinado papel na descolonização dos territórios portugueses. O processo foi abordado quano me avistei com o general Spínola, em território senegalês, no cabo Skerin, e lhe disse achar que ele devia favorecer um diálogo entre o Governo português e os movimentos de libertação nacional. Depois da revolução portuguesa, enviei duas mensagens: uma ao general Spínola pedindo-lhe que enviasse alguém a Paris, e outra ao meu amigo Mário Soares. E foi assim que, dois dias depois, me avistei com o representante do general Spínola e de Mário Soares. Foi nessa altura que combinámos um encontro em Dacar, entre Mário Soares e os representantes dos movimentos de libertação. Por meu lado já tinha, naturalmente, contactado com todos os movimentos de libertação das colónias portuguesas, entre os quais os do Movimento Popular de Libertação de Angola. Tinha-lhes dado dois conselhos: primeiro, de formarem uma frente comum para negociarem com os representantes do Governo português e, por outro lado, visto que todos se reclamavam do socialismo, de constituirem um partido unificado, como tínhamos feito no Senegal com a União Progressista Senegalesa, que representava a unificação de quatro partidos de esquerda. Estes três movimentos de libertação de Angola seguiram os meus conselhos para negociações com Portugal, tendo a UNITA como conselheiro um senegalês, mas, depois da independência de Angola, iniciaram uma guerra civil. Embora mantivéssemos relações estreitas com a UNITA, não reconhecemos o Governo da UNITA-FNLA, como não reconhecemos o MPLA. E sabe bem que no encontro da OUA, realizado no princípio do ano, defendi a tese chamada "moderada". Referia-se ao artigo 3 do estatuto da OUA, que proclamava, por um lado o princípio da democracia e, por outro, o do não alinhamento. E éramos de opinião que os Estados estrangeiros não deviam intervir no conflito angolano, que era necessário constituir um Governo de união nacional e que este Governo preparia as eleições. Recusamos reconhecer o Governo de Neto, por provir de um golpe de força emanado do estrangeiro e não da vontade popular. E, além disso, não reconhecemos regimes, mas sim Estados.




Grandes entrevistas DN, in "Palavras no Tempo - Vol.I"